Hyperion

"... A necessidade e o medo da noite são os vossos senhores. Dividem-vos e junta-vos à força de pancadas. À fome, chamais de amor e onde nada mais vedes moram os vossos deuses.(...)

... O que é o homem? Poderia eu começar; como é possível haver algo assim no mundo, algo que fermenta como o caos ou que se decompõe como uma arvore podre, e nunca chega a amadurecer? Como pode a Natureza tolerar estes agraços junto às suas uvas doces?

...Oh outrora, irmãos sombrios era tudo diferente. Então acima de nós era tão belo, à nossa frente era tão belo e tão alegre; também estes nossos corações transbordavam perante os distantes e felizes fantasmas, e também os nossos espíritos com alegria audaz avançavam e quebravam limites e, ao olharem em redor, ai de nós! Só havia um vazio interminável.

...Era assim que eu sonhava. Pacientemente fui me despedindo de tudo. – Ó companheiros do meu tempo! Se definhardes por dentro não procureis médicos nem sacerdotes!
Perdestes a fé em tudo o que é grande; por isto se essa fé não regressar, tereis de desaparecer como um cometa em céus estranhos.

...Serás capaz de ouvir, entendê-lo-ás se te falar da minha longa tristeza doentia? Aceita-me tal como eu me dou e pensa que é melhor morrer por ter vivido, do que viver por nunca ter vivido! Não invejes os que não sofrem, esses ídolos de madeira, a quem nada falta por sua alma ser tão pobre, que não perguntam pela chuva e pelo sol, por nada terem que precisem de cuidados.
Sim! Sim! É bem fácil ser feliz, calmo, se o coração é frívolo e o espírito limitado!

De isto precisamente, meu caro: o que é triste é que o nosso espírito assuma de tão bom grado a forma do louco coração, que se agarre de tão bom grado à tristeza passageira, que o pensamento que deveria curar dores, seja o próprio adoecer... isso tem tornado muitas vezes a mais nobre natureza objeto de escárnio aos olhos de pessoas como as que encontramos nas ruas, e é um escolho para os eleitos do Céu...

Vacilante, pus-me a andar sem rumo, cheguei até o mar e contemplei as ondas – ai! Meu coração queria aí mergulhar e meus braços voavam ao encontro da livre maré, mas em breve desceu em mim , como vindo do céu, um espírito mais sereno e trouxe a ordem à minha alma indomável , com sua vara tranqüila; mais calmo, meditava sobre meu destino, a minha fé no mundo, as minhas experiência...sem consolo, considerava o homem, tal como tinha o sentido e conhecido desde o princípio da minha juventude, educado segundo as mais diversas formas; e encontrava em todo lado ruídos surdos ou estridentes.Apenas nos limites da simples infância encontrava as puras melodias - é melhor, dizia pra mim prórpio, transformar-se em abelha e construir a própria casa na inocência do que reinar com os senhores do mundo e, como um lobo, uivar com eles, do que dominar povos e sujar as mãos na matéria impura; queria voltar a Timos para viver para meus jardins e campos..”
 Friedrich Hölderlin