Par de botas camponês



Livre do jugo do uso,
Enfim repousa?

Traz junto a si algo do húmus da terra lavrada, algo do suor do exausto camponês.
Há pouco, testemunhou o embate diuturno da terra com o camponês, do camponês com a terra.
Guardando, aquecendo, protegendo os pés, ele mesmo praticou, exerceu, cumpriu a lida:
Lida em que a terra – a um tempo avara e generosa –
Recusa e doa ao camponês flores e frutos;
Lida em que o camponês – a um tempo avaro e generoso –
Recusa e doa à terra pomares e jardins.
Como as coisas do mundo, essencialmente, serviu, serve, servirá.

Porém quando, livre do jugo do uso,
Enfim repousa?

Quem virá restituir-lhe a insubstituível, original presença?

Servindo à Poesia, certo Vincent (solitário nome a um canto da tela)
Redime-o então do esquecimento: Agora entregue às luzes e sombras da Pintura,
O par de botas – junto a si –
Enfim repousa.

Claridade branca do meio-dia...

Claridade branca do meio-dia
Ofusca a profundeza azul 
Não permite ao caminhante
Imiscuir-se no vasto abismo
Que nela habita.

Tardes eternas trazem fissuras à luz, e esmagam
O pobre coração sacrílego. Ele corre aflito 
Encerrado no espelho
Sem poder o azul. 

Mas tu há de vir, Mestre poeta. Tua palavra
Abre os sentidos ao Simples, ao Belo. 
Nela, o antigo coração, ébrio da taça escura,
 
Vê grandiosa Natureza, 
Mãe tácita e distante. Seus segredos cantam os poetas,
Pintam os artistas,
Sonha a alma.

- M. S.