Breve canto à Liberdade

Liberdade te desejo
Tão amada...não a tenho.
E se me perguntares por que
Te respondo: o fraco coração
Refletido no espelho,
Perdido no próprio reflexo
Se detém para sempre
Na escravidão.

Se me disseres que não
Digo que te enganas
E que talvez seja a Morte
O que verdadeiramente sana.

"Conhece-te a ti mesmo", diz o poeta
Pois que a "Vida é breve!"
Diz a alma, discreta.

- M.S.

...

"Nomear um objecto equivale a suprimir os três quartos de prazer da poesia, que é feita de adivinhar pouco a pouco: sugeri-lo, eis o sonho." (Stéphane Mallarmé)

ENVOI (1919), de Ezra Pound

Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz

Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.

Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.

Hipérion!


“O primeiro filho da beleza humana, divina, é a Arte. Nela o homem divino rejuvenesce e repete-se a si próprio. Quer sentir-se a si próprio, por isso coloca diante de si a Beleza. Assim, o homem dotou-se dos seus Deuses. Pois que, no princípio, o homem e os seus Deuses foram Um, já que, desconhecida para si própria vigorava a Beleza eterna: eu falo de Mistérios, mas eles são.

O primeiro filho da Beleza divina é a Arte. Assim foi entre os atenienses.

O segundo filho da Beleza é a Religião. Religião é amor à Beleza. O sábio ama-a a ela mesma, a infinita, a universal. O povo ama os filhos dela, os Deuses que se lhe defrontam nas figuras mais variadas. Assim também foi com os atenienses. E sem um tal amor à Beleza, sem uma tal Religião, qualquer estado é um esqueleto ressequido, sem vida e sem espírito, e todo pensar e agir é uma árvore sem cume, uma estela da qual foi ceifado o capitel.

Muito bem! Interrompeu-me alguém, isso compreendo, mas como esse povo poético e religioso (os atenienses) pode ser também um povo de filósofos, não estou a ver.

Eles até sem a Poesia, disse eu, nunca se teriam tornado um povo filosófico!

O que tem a Filosofia, retorquiu, o que tem a fria altivez desta ciência, a ver com a Poesia?

A Poesia, disse eu certo do meu ponto de vista, é o princípio e o fim desta ciência. Como Minerva da cabeça de Júpiter, ela nasce da Poesia, de um ser infinito e divino. E assim, no fim, também acaba por convergir novamente nela o incontornável, a fonte misteriosa da Poesia.

Do mero intelecto não nasce qualquer Filosofia, porque a Filosofia é mais do que apenas a compreensão limitada do que é.
Da mera razão não nasce qualquer Filosofia, porque a Filosofia é mais do que a exigência cega de um progresso que nunca termina na unificação e distinção de uma possível questão.

Mas se o Divino luzir 'en diaferon heautó', o ideal da Beleza da razão perscrutadora então não exige cegamente, e sabe por que motivo exige e para quê.
Se, como o dia de Maio na oficina do artista, o Sol da Beleza iluminar a ocupação do intelecto, este não voa para longe deixando para trás seu trabalho provisório, mas pensa com agrado no dia de festa em que caminhará na rejuvenescente luz primaveril.”

- Hölderlin, trecho de "Hipérion ou o Eremita da Grécia".

Endymion (trecho)

O que é belo há de ser eternamente 
Uma alegria, e há de seguir presente. 
Não morre; onde quer que a vida breve 
Nos leve, há de nos dar um sono leve, 
Cheio de sonhos e de calmo alento. 
Assim, cabe tecer cada momento 
Nessa grinalda que nos entretece
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras, 
Das nossas tristes aflições escuras, 
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma. O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.

- John Keats

Lamento de Menon por Diotima

De nada serve, ó deuses da morte, enquanto tiverdes 
Em vosso poder, prisioneiro, o homem acossado pelo destino, 
Enquanto, no vosso furor, o tiverdes lançado na noite tenebrosa, 
De nada serve então procurar-vos,suplicar-vos ou queixarmo-nos,
Ou viver pacientemente neste desterro de temor, 
E escutar sorrindo o vosso canto sóbrio. 
Se assim for,esquece a tua felicidade e dormita silenciosamente.
No entanto brota no teu peito uma réstea de esperança,
Tu ainda não podes,ó minha alma!Não podes ainda
Habituar-te e sonhas dentro de um sonho férreo!
Não estou em festa,mas gostaria de coroar-me de flores;
Não me encontro eu só?Mas algo apaziguador deve
Aproximar-se de mim vindo de longe e sou forçado a sorrir e a admirar-me
Por experimentar alegria no meio de tão grande sofrimento. 


A ti, a ti só heroína! A tua luz na luz te mantém,
E tua paciencia te mantem amorosa, ó benigna!
E nem mesmo estàs só, companheiros bastantes há,
Onde tu floresces e repousas entre as rosas do ano,
E o próprio Pai, pelas Musas que respiram doçura,
Te envia as ternas canções de embalar.
Sim, ela é linda a mesma! Inda me surge, como outrora
Caminhando serena, a mesma toda, a Ateniense.
E enquanto amigavel espírito, de tua fronte serena e pensativa,
Cai entre os mortais a segura benção do teu brilho,
Provas-me assim e dizes-me, para que eu o diga aos outros,
Porque há outros tambem que o não acreditam,
Dizes-me que mais mortal que o cuidado e a cólera é a alegria,
E que no fim há ainda em cada dia um dia de ouro.


Inda há muito, muito de grande a descobrir, e quem 
Assim amou, vai - tem de ir! - pela estrada dos deuses.
E acompanhai-me vós, horas sacrais, vós graves,
Juvenis! Pressentimentos sagrados, ficai vós conosco,
Preces devotas! E vós entusiasmos, e vós todos,
Bons genios, que gostais de acompanhar os que amam,
Lá onde os venturosos todos descem de bom grado, 
Lá onde as águias estão, os astros, os mensageiros do Pai
E as Musas, lá donde vêm os herois e os amantes,
Lá ou aqui mesmo, sobre uma ilha orvalhada
Onde os nossos esperam, flores reunidas em jardins,
Onde os cantos são verdade, e as Primaveras são mais tempo belas,
E de novo um ano da nossa alma começa!


- Hölderlin

,,,

Inferno de duas patas, por que te criaste besta?
Não saberias tu do futuro?
Ou foste somente sacrifício?
Desperta e vê como é possível
Ser como és
Que nenhum vos fez assim, e pensa
Como é possível uma abertura -
Ninguém o sabe.

Basta acordar e ver fundo
O que te faz ser. Toma-o por um espanto!
O susto assim se petrifica
E deve girar-te, para fora de si.

Mas animal ainda pensas ser, e muito
Precisarás esquecer. E quando aprenderes,
Do sacrifício e da fidelidade,
Como um relâmpago perderás tudo tão rápido 
Que nem sentirás.
Pois o caminho, 
O que institui um permanente,
Não se dá ao fraco coração.


- M.S.

Par de botas camponês



Livre do jugo do uso,
Enfim repousa?

Traz junto a si algo do húmus da terra lavrada, algo do suor do exausto camponês.
Há pouco, testemunhou o embate diuturno da terra com o camponês, do camponês com a terra.
Guardando, aquecendo, protegendo os pés, ele mesmo praticou, exerceu, cumpriu a lida:
Lida em que a terra – a um tempo avara e generosa –
Recusa e doa ao camponês flores e frutos;
Lida em que o camponês – a um tempo avaro e generoso –
Recusa e doa à terra pomares e jardins.
Como as coisas do mundo, essencialmente, serviu, serve, servirá.

Porém quando, livre do jugo do uso,
Enfim repousa?

Quem virá restituir-lhe a insubstituível, original presença?

Servindo à Poesia, certo Vincent (solitário nome a um canto da tela)
Redime-o então do esquecimento: Agora entregue às luzes e sombras da Pintura,
O par de botas – junto a si –
Enfim repousa.

Claridade branca do meio-dia...

Claridade branca do meio-dia
Ofusca a profundeza azul 
Não permite ao caminhante
Imiscuir-se no vasto abismo
Que nela habita.

Tardes eternas trazem fissuras à luz, e esmagam
O pobre coração sacrílego. Ele corre aflito 
Encerrado no espelho
Sem poder o azul. 

Mas tu há de vir, Mestre poeta. Tua palavra
Abre os sentidos ao Simples, ao Belo. 
Nela, o antigo coração, ébrio da taça escura,
 
Vê grandiosa Natureza, 
Mãe tácita e distante. Seus segredos cantam os poetas,
Pintam os artistas,
Sonha a alma.

- M. S.