Hipérion

“Teremos nós nascido dos pântanos, como um fogo-fátuo ou seremos acaso descendentes dos vencedores de Salamina? Como é então? E como é que tu, livre natureza grega te vieste a tornar serva? E tu, estirpe dos meus pais, decaíste tanto, tu de quem outrora a imagem divina de Júpiter e de Apolo era apenas uma cópia? – Mas ouve-me, ó céu da Jônia! Ouve-me, ó terra da minha Pátria, que te cobres, semi
nua como uma pedinte, dos farrapos da tua antiga magnificência , não continuarei a suportá-lo!

Ó sol que nos educaste! Hás de olhar-nos, quando no meio do trabalho nos crescer o ânimo, quando no meio dos golpes do destino o nosso projeto se formar como ferro a golpes de martelo.
Oh! Exclamou Alabanda, por isso é que a luta é benefício. Como todo trabalho que conta com a ajuda da força e do espirito humanos e não com muletas e asas de cera. Despojemo-nos das vestes de escravo em que o destino imprimiu suas armas. Bárbaros, desde tempos remotos, que o trabalho e a ciência e inclusivamente a religião tornou mais bárbaros ainda, absolutamente incapazes de qualquer sentimento divino, corrompidos até a medula, para o bem das sagradas graças, ofensivos para com as almas bondosas..

Tudo que há na Terra é imperfeito, eis a velha lengalenga. Se ao menos alguém dissesse alguma vez a estes malditos que se tudo é tão imperfeito entre eles é porque eles, com suas mãos desajeitadas, não deixam imaculado tudo que é puro, tudo que é sagrado, intacto, que nada medra entre eles porque não têm consideração a divina Natureza, que entre eles a vida é assim tão insossa e carregada de preocupações e transbordante de frias e mudas discórdias, porque desdenham da força e da nobreza, da serenidade e do sofrimento. É por isso que tem tanto medo da morte e sofrem todas as ignomínias de suas vidas de ostras, por não conhecerem nada de mais elevado do que sua obra mal feita, que para si engendraram..

Mas onde quer que um povo ame a beleza, que honre o gênio nos seus artistas, aí sopra, como sopro vital o espírito comum e todos os corações são piedosos e grandes e o entusiasmo faz nascer heróis.

Mas as pessoas tornam-se cada vez mais depravadas e vazias, apesar de todas terem nascido belas; o sentido da servidão aumenta, e com ele, a grosseria, a embriaguez aumenta com os cuidados e, com a opulência, a fome e o temor pela subsistência; a benção de cada ano converte-se em maldição e todos os deuses fogem.

O que? O comerciante árabe semeou seu Corão, e cresceu-lhe um povo de discípulos como uma floresta interminável, e não deveria prosperar o campo a que regressa a antiga verdade como nova e viva juventude?

Esta terra coberta de luto, desnudada, que eu tanto queria vestir de bosques sagrados e adornar com todas as flores da vida grega!

Quem sofre até o extremo, convém-lhe o extremo.”


Friedrich Hölderlin