Jornadas
A Viagem à
Grécia
Tradução: Manuela Santos
Mas onde os
tronos? Onde os templos? E as taças
Onde, cheias de
néctar? onde o canto para prazer dos Deuses?
Onde, onde
brilham eles, os oráculos que acertam longe?
Delfos dormita,
e onde ressoa o grande Destino?
(Friedrich Hölderlin, Elegia “Pão e Vinho”)
Este “onde” erguido de um imenso abandono, um
doloroso carpir – esta questão, o que ela procura? O que o poeta vê quando
clama? Ele vê a fuga dos Deuses e com isto a desolação do morar dos homens, o
vazio de seus trabalhos, a vaidade de seus feitos. Ele ousa dirigir o olhar para a Grécia que já
foi (sido), embora ele não ache suporte na atual experiência de mundo das
ilhas. Por que Hölderlin não precisa de uma tal experiência? Talvez porque seu
olhar estava indo mais longe, em direção à chegada do Deus vindouro, para
que somente na região do seu pressentir
aquilo que já foi possa atingir seu presente próprio. Então, o carpir poético
não brotou de modo algum de um mero abandono, mas, ao contrário, da confiança
naquilo que está vindo, e é capaz de saltar sobre qualquer necessidade? Aquilo
que está vindo só se aproxima e só permanece através de um insistente chamado.
Estamos hoje ouvindo o chamado? Compreendemos que um tal ouvir, ao mesmo tempo,
deva ser um chamado, mais ainda para um mundo humano que beira a
auto-destruição, e cujas maquinações abafam e aniquilam qualquer chamado?
Em tal tempo, em meio a falta de compreensão, a
suspeita desperta para o fato de que uma tal visão é possível certamente, uma
visão que, desde que exista, demanda que olhemos mais longe. O que então? A
superação do poeta? Nunca! O que alcança mais longe do que o mundo do poeta é,
ao mesmo tempo, de uma menor importância sem cessar de ser, para nós,
sobretudo, o que é o mais necessário: a saber, que o campo se abriu, e assim o alargar-se e submeter-se lá onde a
vinda do Deus possa ser doada e onde a vigília do festival da sua chegada possa
ser preparada.
Como podemos encontrar este campo de antecipação?
Não podemos acha-lo apenas em procurar por ele ao invés de inventar caminhos
para perdemos tempo? quem há de mostrar-nos o caminho? O que nos dará uma pista
sobre o campo que procuramos? Este campo está atrás de nós, não antes de nós. A
necessidade é olhar para trás e refletir sobre aquilo que uma memoria ancestral
tem preservado para nós e ainda, através de todas as coisas que pensamos,
sabemos e possuímos, permanece distorcida. Contudo, nós só poderíamos procurar
algo que, embora disfarçado, já é conhecido.
Os
Deuses da Grécia e seu Deus supremo, se eles hão de vir, retornarão somente
transformados para um mundo cuja destruição está fundada na terra dos Deuses da
prisca Grécia. Se as ideias dos pensadores Gregos – quando a fuga dos Deuses
começou – não tivessem sido proferidas em uma língua desenvolvida e não tivesse
dito o que disse, por sua vez, sendo alteradas para um instrumento de uma
compreensão estrangeira, então nem o poder da universal tecnologia moderna,
ainda oculta ao que é próprio à ela, nem
a ciência correspondente e a sociedade
industrial seriam hoje dominantes. Se não houvesse, portanto, uma relação
enigmática que relaciona a violência do mundo moderno com a anterior fuga dos
Deuses, nós, que procuramos uma salvação no perigo derradeiro de uma potencial
pura auto-destruição da humanidade, não precisaríamos de uma longínqua
recordação da ausência da fuga dos Deuses, e nem precisaríamos um pré
pensamento no campo de uma chegada da metamorfose deles.
Eu
me pergunto se encontraríamos em algum tempo a região que procuramos? E se este
encontrar será em algum tempo nos doado se visitarmos a ainda existente terra
dos Gregos e saudarmos sua terra, seu Céu, seu Mar e suas ilhas, os templos
abandonados e os teatros sagrados?
Nós,
que estamos em grande necessidade e em maior pobreza de pensamentos poéticos,
precisamos, talvez, visitar a ilha das ilhas, mesmo que apenas para estabelecer
no caminho a intimidade que já desejamos há muito tempo.
Por
isto, anos atrás a proposta e o presente de uma viagem à Grécia veio da batida
antecipada de um afeiçoado coração. Tal proposta foi seguida, claro, por uma
longa hesitação devido ao medo de desapontamento: a Grécia de hoje poderia
evitar a Grécia da antiguidade, e que seu próprio de viesse à luz. Mas também
uma hesitação que deriva de dúvidas de que o pensamento dedicado à terra dos
Deuses fugitivos poderia não ser nada além de uma mera invenção e assim o
caminho do pensar [Denkweg] poderia
ser provado como um caminho errante [Irrweg].
A região intimada permaneceu presente nos meus pensamentos. O que foi doado
precisava ser realizado.
A
decisão de visitar a Grécia se tornou mais fácil quando tivemos a oportunidade
de participar em um cruzeiro juntos. Seria difícil imaginar um modo mais
próprio de se aproximar do todo-distante país de ilhas.
Os
dias chuvosos e frios em Veneza se tornaram um estranho prelúdio. A monotonia
da impessoalidade do luxuoso hotel que aconteceu de estarmos, combinou com o
declínio exibido pela cidade. Veneza – que veio muitos anos após a Grécia na
história e assim mais próxima de nós em tempo – permanece sem o poder de
mostrar-nos o caminho. Ela se tornou um objeto da historiografia, cenário
atrativo para novelistas confusos, o playground de conferencias internacionais
e exibições, saqueando para a
indústria do turismo desperdiçar e esbanjar. O poder passado e o esplendor da
República se foram das ruinas remanescentes cujo emaranhado polimorfo de
prédios e praças permite uma descrição sem fim e sempre mutante. Mesmo a missa
na Catedral de Palma no domingo, onde a tradição viva é mais esperada [de ser
encontrada], nos deu uma impressão de um espetáculo; sem cuidados era a
liturgia. Tudo era anitgo mas não exatamente antigo; tudo pertencia
ao passado mas não a um passado que ainda continua e se mantém em algo
remanescente de modo que possa dar-se novo para aqueles que o esperam.
Ele,
que o olhar não é incessantemente confrontado com a violência do mundo
tecnológico moderno, mais facilmente será disseminado no breve e temporário
sentido que a historicidade e a estética dão à cidade. Seja quem for que
procurar aquele sítio [Ort] que foi
decisivo para a condição presente mundial, embora ainda oculto, enquanto ele
permanecer ciente de que mesmo o mais novo dos novos, incluindo a fuga e a historiografia,
desmorona a menos que seja trazido de volta à sua antiga origem – para ele,
Veneza não pode ser nada além do porto onde o navio que aporta zarpa para a
Grécia. Dizer tal coisa pode ser injusto do ponto de vista da historiografia;
pois a História, contudo, é necessária. A historia precede a historiografia.
Ela é o Destino [Geschick] que reina na historia.
Enquanto
a imagem do Destino, o Mar noturno aparece; suas ondas antigas seguem suas leis
indiferentes ao moderno, mecanizado navio.
Sob
a luz do sol da manhã a grande pedrosa costa da Dalmatian surgiu do sereno Mar.
Nossa cabine no deck da Yugoslavia não oferecia muita visão, pois foi
bloqueadas pelos barco salva-vidas; era muito perto da ponte de onde era
possível ter uma visão panorâmica das entradas nas baias e portos e também da
expansão do Mar aberto. A amigável tripulação, nos proveu de toda informação
que perguntamos e até permitiram que fossemos para a sala do leme onde
explicaram a função dos seus aparatos. O pessoal da sala de jantar era
igualmente atenciosos e cuidadosos.
De
manhã cedo, após a segunda noite de jornada, a ilha de Corfu apareceu, a antiga
Caphallenia. Era a terra dos fenícios? A
primeira impressão não concordaria com a imagem que o poeta dá no Livro VII Odisseia. Fiquei então com meu colega
Engelking no deck mais alto do navio. Estávamos relembrando os tempos de nossa
palestras em Freiburg, descansando o olhar na visão da terra Grega e em suas
montanhas. Era, já a Grécia? O que senti e esperei não apareceu. Talvez as noções
que trouxe comigo eram exageradas e ilusórias. Tudo pareceu mais como uma
paisagem italiana. Contudo, foi na Sicília que Goethe sentiu a proximidade do
elemento Grego pela primeira vez. Lá, seguindo um impulso persistente, ele
esboçou o esquema da tragédia Nausica, a qual ele nunca escreveu, mas, mesmo
assim, trabalhou em detalhe, mantendo-a constantemente no pensamento. Porque o
esquema não foi atualizado? Ele carregava os aspectos de uma Grécia
Romana-Italiana vista através da luz do humanismo moderno? E era esta visão
suficiente para o poeta anunciar, na velhice, o tempo das máquinas?
Dúvidas
surgiram à tarde bem cedo, quando continuamos nossa jornada de Corfu para
Ítaca, que, por ser a casa de Odisseu, prometia o elemento Grego. As dúvidas
permaneceram por respeito a nós será em algum tempo concedido a experiência do
que é originariamente [anfänglisch]
Grego; se uma tal experiência, como já é sabido, não seria predeterminada e
então restringida ao horizonte presente
daquele que passa por ela; dúvidas sobre
se um tal esforço de retornar à origem [Anfang]
não permaneceria em vão e inefetivo, mesmo se ele tivesse sucesso de um modo limitado;
dúvidas sobre se uma tal inquietação não arruinaria e experiência imediata da
jornada. Por que não se pode imediatamente manter a apreensão do que se vê e
então narrar isto em um simples descrever?
Como
se a “Grécia” já não tivesse sido descrita, muitas vezes e de diversas
maneiras, com precisão e conhecimento. Deixemos
isto ser o bastante, então, para nossos companheiros de viagem no navio,
seu esforço sincero de se educar através
da leitura de livros informativos e livros divertidos sobre a Grécia, enquanto
descansam no deck. Nunca passou pela minha cabeça, durante a jornada,
questionar a não utilidade e o prazer de tais viagens à Grécia. Nem deixou
minha cabeça o pensamento de que o que importa não somos nós e nossa
experiência da Grécia, mas a Grécia ela mesma.
Pode
a Grécia ainda “falar” do seu próprio e nos clamar, o povo de hoje, enquanto
ouvintes de sua linguagem, nós, o povo de uma idade cujo mundo é em toda parte
perpassado pela força e artificialidade das ramificações da armação [Ge-stell]? A inquietação sobre a era não
nos distrai do ponto, isto é, da direção da jornada para a Grécia, não impede a
imediata experiência; ao contrário, esta se abre pela primeira vez ao esperado,
na medida em que é mantida na referência ao mundo de hoje, ao invés de ser
avaliada apenas por relação às experiências do indivíduo.
Entretanto,
a tarde , avistamos as baias arborizadas de Ítaca. De primeira e por um bom
tempo não conseguíamos entender onde o navio iria atracar. Uma volta não
esperada do navio, então, ofereceu-nos uma visão da vila com claras casas na escura
encosta. Crianças da escola, e pessoas locais juntamente com seu prefeito, que
esteve uma vez na Alemanha, receberam os visitantes alemães com uma alegre
modéstia. A casa de Odisseu? Muitas coisas nesse cenário não caberiam no
cenário que tenho dos dias de minha primeira leitura de Homero no Ginásio em
Constance, sob a tutela de um excelente professor. Novamente aqui, no porto de “Cefalenia” o que
faltava era a presença do elemento Grego, as características que assumiram
claridade durante o curso do meu estudo posterior e em minha discussão [Auseinandersetzung] com o pensamento
antigo: não era uma paisagem ideal mas um mundo que falava com uma
sempre-crescente força e estava começando a tornar as opiniões familiares sobre
si mesmo oscilantes; mas, de novo, não era um esquema histórico que conteria
todas as regiões viventes e as épocas históricas da civilização Grega – era um
persistente chamado de uma diretiva que se endereçava à articulação do Dasein
Grego enquanto uma totalidade. Como isto
se anunciaria em Ítaca?
Ao
contrário, conhecemos algo oriental, algo Bizantino, quando um padre nos
mostrou uma pequena igreja com o ícone de tela e velas acesas, depois de
receber uma pequena doação. As mulheres
em seus jardins e as crianças nas ruas nos deram boas-vindas com flores.
Ao
final de tarde, os viajantes mais novos e a tripulação se divertiram, ficando
até meia-noite com as amigáveis pessoas da ilha, altura em que o navio
continuou a velejar para Katakolon, o pequeno porto em Elis.
O
Yugoslavia aportou na baia. Por volta
das oito horas desembarcamos em uma costa próxima, com a assistência de velhos
barcos e uma espécie de flutuador. Nesta primavera ensolarada, os ônibus da
manhã nos transferiram de lá, através de Pirgos, para Olimpia. Pequenas mulas e
burros estavam lá parados, pastando pacientemente a silagem escassa da beira da
estrada, enquanto outros sobrecarregados faziam seu caminho lentamente com
ritmo. Casas de aparência pobre eram seguidas de novas de mau gosto ao longo da
poeirenta estrada, até o ponto em que os veículos foram vistos sob a sombra de
pinheiros.
Agora
tinha de vir – aquele sítio [Ort], onde uma vez a Grécia reuniu-se durante os
dias mais quentes do verão para a pacífica celebração dos Jogos e para adorar
os Deuses mais altos.
Mas
primeiro encontramos uma simples vila, desfigurada ainda mais pelos prédios não
terminados (a serem), hotéis para os turistas americanos. Depois disso,
passamos por uma ponte alta por sobre a
pedra ravina do quase seco Rio Cladeos e ficamos desapontados com a
vista próxima da montanha de Cronos. É impensável que a lama e os detritos
deste rio foram capazes de transbordar e cobrir a sagrada região dos templos de
Altis, e assim até dizimando o nome do
lugar da assembleia de todo o povo Grego. O que é ainda mais impensável, é que
esta mesma paisagem, que também poderia ser encontrada na Itália, foi
estabelecida como o lugar dos
festivais Gregos e de acordo com eles, o cômputo de tempo nas Olimpíadas.
O
vale aberto e muito charmoso de Alfeu era, somente através de uma força
inexplicável, de acordo com a
gravidade agonística e articulação da essência Grega. Dúvidas
surgiram novamente por respeito a se tal essência, há muito querida e muitas
vezes pensada, era uma criação da imaginação sem qualquer conexão com o que
verdadeiramente aconteceu.
Ponderando
estas coisas, adentramos o silêncio místico de Altis na manhã clara com o som
do rouxinol. Além de nós todos, divididos em grupos, não haviam outros
visitantes nas ruinas. O fundamento e o surpreendente e grandioso templo
consagrado à Hera e Zeus, os colossais eixos das colunas, ceifados por uma
força sobre humana, embora caídos ainda preservados em posição vertical, um
impulso solidário – tudo isto manteve na baia a impressão de um simples e
maciço edifício.
Era
isto um aceno, talvez, sobre o caminho próprio de procurar aquilo que tinha que
passaríamos pelos dias a vir? Era um sinal para uma clara visão de que a
pesquisa arqueológica, embora permaneça necessária e utilitária, contudo, não
tem qualquer acesso àquilo que prevaleceu e se alojou no meio daquilo que foi
erigido – querendo dizer: aquilo que foi consagrado?
A
arqueada passagem que leva da área dos templos para o estádio, e a qual é até
mesmo mencionada por Pausânias, nos levou para o campo dos jogos. Mas os jogos
eles mesmo e a proximidade dos Deuses que é preservada neles – o que tudo isto
seria sem a canção que louva, sem a palavra que primeiramente, através de um
tom vibrante e articulado, revela e vela aquilo que ocorreu aqui? O que tudo
isto seria se a linguagem do poeta não dissesse? Píndaro canta, na introdução
de sua primeira Ode Olimpica, a qual
também vem de lá – em direção às cortes reais em Saracusa e Acragas de Sicília:
A
água é preeminente e ouro, como um fogo
Queimando
na noite, ofusca
Todas
as possessões que magnificam o orgulho dos homens.
Mas
se, minha alma, anseias
Para
celebrar os grandiosos jogos,
Não
procure mais
Pois
outra estrela
Brilhando
através do Éter deserto
Mais brilhante que o sol, ou por uma luta
Mais brilhante que o sol, ou por uma luta
Mais poderosa que Olímpia
Onde a canção
Tomou sua coroa
Tomou sua coroa
Desenho da glória...
A
beleza seca do festival neste lugar se ocultou para nós. Ela demorou-se,
contudo, como imediatamente presente [Gegenwart]
nas criações e nas figuras armazenadas no Museu de Olímpia o qual foi
estabelecido com grande conhecimento e cuidado. Antes disso, contudo,
descansamos para o meio dia nas altas matas sob as velhas árvores perto de
Altis, enquanto borboletas brincavam sobre nós tornando a quietude mais intensa
– um obscuro sinal da hora de Pan.
Mais
tarde no Museu tivemos a chance de calmamente pensar as figuras da fronte do
Templo de Zeus com as remanescentes ruinas em Altis e então evitamos reduzir a
exibição a um prazer artístico como se eles fossem trabalhos separados. Não
obstante, a fúria da luta entre os Lapids e os Centauros é tão poderosa, o
terror das mulheres ameaçadas tão agitadas e selvagens e a beleza do altaneiro
e dominador Apolo tão divino, que é fácil esquecer o elemento artístico dos
trabalhos do frontão. Seria, talvez, que a arte indicada lá é baseada no fato
de que ela se retém enquanto criação e trabalho tendo em consideração o que ela
traz à manifestação?
O
mesmo vale para a tensa e contida espera anterior à competição entre Pelopes e
Oenomaus. Onde mais o silêncio foi retratado com tamanha simplicidade enquanto
a dimensionalidade de um espaço do Dasein?
Nunca,
pois, os dois frontões foram objetos de observação à mesma altura do
observador, mas eles eram visíveis ao olhar apenas de cima para uma altura
muito maior. Foram eles criados para o observador humano, afinal? Não era a
fluida quietude de sua aparência dedicada à visão do Deus invisível, como um
presente para a consagração? Em alguns momentos um abismo era aberto entre este
trabalho de devoção e as exibições; estas eram alocadas de acordo com as
intenções artísticas contemporâneas mas, ao mesmo tempo, estavam fora de
lugar; travadas em si como são, elas se tornaram
sujeitas às maquinações da era industrial – elas permanecem incapazes de
mostrar a este mundo até mesmo o seu próprio, menos ainda de indicar os
caminhos para a transformação.
E
então – apesar de todo impasse de um projetado mercado de arte, as métopas de
Hercules vieram em uníssono com as esculturas do frontão e o mesmo estilo
universal apareceu como foi trabalhado na canção das tragédias de Ésquilo
enquanto a mais poderosa linguagem poética. Tal experiência não permite a
contemplação para a tentativa de comparações estilísticas que são
características da história da arte (...). Novamente, a memória vai de volta
para o Ginásio em Constance, quando a estatua de Hermes foi apresentada pela
primeira vez, durante meu terceiro ano, como o ideal da escultura Grega – mas
ela não falou comigo. Somente quinze anos depois, foi-me aclarado os trabalhos da escultura
Grega – em um curso dado pelo jovem professor Buschor no começo da segunda
década de nosso século em Freiburg, sob o estranho título “A Arte Plástica dos
Gregos de Parmênides à Plotino”. Nem um nem outro eram escultores. O primeiro,
contudo, no princípio do Destino Grego, formou o horizonte onde os trabalhos
desse povo apareceriam; o segundo criou o horizonte no qual a queda e o fim da
civilização Grega tomou lugar e do qual sua forma oculta, por um longo tempo,
determinaria os séculos seguintes.
Será
que Olímpia ofereceu o pensamento que procurávamos daquilo que é o próprio do
mundo Grego? Sim e não. “Sim” na medida em que a emergência gentil de sua clara
distância falou conosco de modo imediato através das esculturas. Mas estas
estavam no Museu. Portanto “não” – especialmente desde que a região de Olímpia
ainda não liberou o elemento Grego da terra, do seu mar e do seu céu.
O
elemento Grego permaneceu uma espera, algo que eu pressentia na poesia dos
antigos, algo que intimava através das Elegias
e Hinos de Hölderlin, algo que eu
pensava nos longos caminhos de meu próprio pensamento.
A
viagem da noite através do Golfo de Corinto trouxe o navio, na manhã seguinte,
à baia desta cidade. Um dia de um doloroso conflito começou. Estávamos para
visitar Micenas. Senti uma resistência contra o mundo pré-Helênico, embora
tenha sido a crítica troca com ele que primeiro ajudou os Gregos a
compreenderem seu elemento próprio. Mas foi só o encontrar deste elemento
próprio, afinal, que eu esperava. Além disso, me senti atraído por Argos e
Nemea, o outro lugar dos jogos atléticos dos Gregos, presentes também nas Odes Triunfais de Píndaro
O
amplo chão do vale, onde a solitária vila de Nemea está aninhada, é rodeada de
socalcos; rebanhos de ovelhas
passeiando pelas suas pastagens. Toda a região aparece enquanto um
único estádio que convida os jogos festivos. Somente três colunas remanesceram
de pé e que ainda dizem do templo de Zeus que uma vez existiu: na amplitude da
paisagem elas eram como três cordas de uma lira invisível na qual talvez os
ventos tocam canções de luto, inaudíveis para os mortais – ecos da fuga dos
Deuses.
Similarmente
abandonado, um templo de “Heraion” se esticava sobre o platô de uma montanha na
terra Argiva, as ruinas que foram embelezadas com espessas camadas de flores
aromáticas: é a leal saudação,
anualmente recorrente, para um mundo afundado.
Do outro lado estava a Acropolis de Argos. As
palavras do guarda – no começo da Oréstia
de Ésquilo – vieram à vida na memória, enquanto ele estava na procura pelo
sinal de fogo nas montanhas. O curso de um Destino já cumprido se mostra de uma
vez nesta faixa:
Rogo aos Deuses libertar destas labutas,
Um
ano de duração assistir, durante o qual
Dormindo
no telhado do filho de Atreu,
Descansando
em meus braços, como um cão,
Conheci
a assembleia das estrelas à noite...
E
a questão de Hölderlin “onde ressoa o grande Destino?” se manifesta enquanto a
resposta, na medida em que seu poema permanece a memória daquilo que foi e dá
ao coração uma confiança misteriosa. A frutificante planície Argiva dinda na
praia onde a cidade penhasco de Nauplia negligencia sua baia – o porto de
Argolis em tempos antigos.
Um
pequeno caminho nos levou a um vale coberto de campos de grãos, em alguns
lugares escasso, em outros férteis, até Epidaurus, para o Templo de Asclepius e
ao famoso teatro de Policletos. O edifício que foi descrito sempre concede um
sereno olhar para os montes mais altos parecidos com trilhos e olivais, no topo
cujo, (...).
Se,
contudo, nem a alegria do viajante com a pasiagem, nem a sede de conhecimento
do Antiquario for o bastante, então o que permanece aqui é perguntar a questão
de Hölderlin de “Pão e Vinho” (sexta estrofe):
Por
que estão silenciosos também, os teatros, antigos e sagrados?
Por
que? dificilmente somos capazes de receber e tolerar esta questão – de modo que
possamos perceber o quão pobre e desamparado está o atual homem com seu
progresso frente a prédios tão solenes que desde tempos imemoriais, concedem
cura. Não é um acidente que este teatro surge na vizinhança dos templos e
banhos, para os quais os viajantes de longe vinham procurar por cura para seus
sofrimentos, mas talvez eles também venham para experenciar o sofrimento dos
Deuses desaparecidos.
Pensar
sobre tudo isto é difícil, na medida em que aquilo que determinou o mundo Grego
no seu caráter próprio, permanece oculto. Repetidamente a questão surge: onde
deveríamos olhar para ver este caráter próprio? Toda visita a todo lugar de sua
morada, trabalho, e festa nos torna mais perplexos.
Portanto,
após nossa difícil travessia noturna de Nauplia até a ilha de Creta, a
esperança de que eu encontraria lá o que estava procurando ou que atingiria um
desenvolvimento mais rigoroso destas questões diminuiu.
Pois
esta ilha, a maior de todas do Arquipélago Grego, com poderosas serras
sobressaindo íngremes do mar, mergulhadas, encerram um estranho mundo
pré-Grego. Dos palácios e das cidades da civilização minótica, que foram
escavadas em nosso século, visitamos somente Knossos e Herakleion. No amplo e
múltiplo vale de montanhas, o Palacio labiríntico testemunha um não guerreiro,
rural e comercial Dasein dedicado às alegrias e júbilos da vida, embora
altamente estilizado e refinado. Uma divindade feminina supostamente foi o
centro de toda adoração. O que vem à vista é algo de uma essência egípcia e
oriental. Enigmático como o todo é também o sinal de um machado duplo que
continua ocorrendo. Tudo é focado no luxuoso, nos adornos e na beleza, dos
grandes afrescos até os utensílios mais insignificantes da vida quotidiana.
Todas
as descobertas de diferentes escavações, foram reunidas no Museu de Herakleiton
o qual foi recentemente reorganizado: a abundancia das coisas e formas, o
cintilar impressionante e o brilho luxuoso imploram pela pergunta: o que é isto
que brilha nas coisas e se oculta no próprio brilho? As pequenas estatuas e as
figuras votivas não dizem nada claro sobre isto. Há, talvez, alguma conexão
entre o labirinto e o luxo? Enquanto um adjetivo a palavra luxus significa algo que foi tirado do seu lugar, deslocado e
retirado, de tal modo que escapa e desvia do que é comum. Onde qer que isto se
torne um fim em si mesmo e assim surja em grandes quantidades, intriga e
surpreende. Um labirinto é organizado de forma parecida. Embora, o labirinto
luxuoso do mundo Creto-minoniano permaneça longe da frieza do superficial, do
vazio do frívolo. E ainda, o que brilha no brilho assombroso? Poderia ser que o
que brilha no brilho seja apenas o brilho ele mesmo e portanto não pode nem
ocultar ou esconder qualquer coisa? Não quer ele apenas brilhar em tudo, nas
variedades dos prédios, trabalhos, utensílios?
Nos
aliviamos da penosa expedição à Phaistos, no sul da ilha, e ficamos no barco.
Mesmo o bazar em Herakleion não nos fascinou. Meus pensamentos se demoraram no
pós-brilho (do museu) daquele brilho, o qual em um tempo pertenceu à livre
estrutura de um vigoroso Dasein, estranho mas ao mesmo tempo encantador para os
Gregos.
Será
que a luz totalmente diferente do pico nevado do Monde Ida, a assim chamada
montanha dos Deuses, indica? Isto cintila para “as ilhas amadas, olhos do mundo
do espanto” (Hölderlin “Lamentações”, segunda estrofe)? Contudo nossa jornada
para os Ciclopes parece ainda longe. Era incerto se nos seria permitido estar
no centro do circulo deles.
Durante a noite o barco alcançou a ilha de Rodes.
Aportamos na costa da Asia Menor. Estamos longe da Grécia? Ou estamos no
interior do domínio do seu Destino, o qual foi estruturado através da sua
confrontação [Auseinandersetzung] com
“Ásia”, por transformar o selvagem e reconciliar a paixão com algo “maior”, que
permaneceu grande para os mortais e assim concedeu a eles o lugar para um temor
reverenciado?
Não
era minha vontade teimosa ou a necessidade de descanso que me segurou de
desembarcar enquanto olhava a ilha atrativa. Era mais uma recordação do
pensamento [Nachdenken] que novamente
demandou seus direitos: a confrontação [Auseinandersetzung]
com o elemento asiático foi, para o Dasein Grego, uma necessidade frutífera.
Esta confrontação é para nós hoje – de um modo totalmente diferente e de maior
extensão – a decisão sobre o Destino da Europa e do que é chamado o Ocidente.
Contudo na medida em que toda a terra – não mais somente a terra – esta
encerrada e penetrada pelas zonas de radiação da tecnologia moderna e os campos
atômicos que a tecnologia tem ativado, a decisão foi da noite para o dia
transformada em questão, se e como o homem se estabelece livre por respeito ao
poder que é capaz de afastar aquela violência na essência da tecnologia. Ante
tamanha situação global, o pensamento [Andenken] do próprio dos Gregos é para
todo mundo uma ocupação estrangeira. Ou pelo menos assim o parece.
De
Rodes, a ilha das rosas, é dito ter uma abundância de nascentes, vegetação, e
frutas; sua história através dos séculos é igualmente cheia de acontecimentos e
a variedade de ruinas testemunha isto. Seria educador e agradável ao viajante
observar todas essas coisas.
Enquanto
o azul do Céu mudava através das horas, o pensamento surgiu, acerca de que se o
Oeste fosse para nós um outro sol nascente de luz e claridade, ou antes, se
estas são luzes ilusórias que simulam que a revelação venha daí e então não são
nada além de fabricações históricas artificialmente sustentadas.
O
elemento asiático outrora trouxe para os Gregos um fogo escuro, uma chama que sua poesia e pensamento
reordenaram com luz e medida. Deste modo, Heráclito teve que pensar o Todo das
coisas presentes [Anwesenden]
enquanto κόσμος,
e “tòn autón apáton”, enquanto
“aquele ornamento em todo lugar o mesmo” – tal ornamento estabelecido “nem por
um dos Deuses, nem por um dos homens” (Fragmento 30). Este dizer do pensador se
torna muito estranho para nós, se o tornarmos somente como uma palavra, e
portanto recursar uma intepretação do termo κόσμος que não está baseada nas
estafadas e derivativas representações.
Κόσμος –
o ornamento, o adorno, algo que não deveríamos compreender como um enfeite
adicional, mas antes enquanto aquilo que a antiga palavra “Zier” significa, a
saber, o raio, aquilo que traz algo à visibilidade, que deixa o presente ser
presente na luz toda vez na sua diferença, no interior de suas fronteiras, ele se
une em uma única reunião. Pensado deste modo, a palavra [Zier] expressa a
totalidade do que é presente. Somente quando κόσμος é pensado assim, podemos
compreender em que medida Heráclito poderia considera-lo enquanto o fogo que se
mantém surgindo, enquanto a luminosa e resplandecente coisa que aprómenon métra kaí aposbennúmenon métra “acende
(traz à luz e à visibilidade) as medidas e extingue (retira) as medidas” e traz
assim o antagonismo perpetuo entre o moderado e o imoderado: o juntar reciproco
na troca de todas as coisas com fogo e do fogo com as coisas, de um modo
similar da troca do ouro com os Deuses e dos Deuses com o outro: Púros te ántamoibé tá pánta kaí púr apánton
ókosper krysoun krámata kaí kramáton krusós (Fragmento 90).
Conversando
com Heráclito, o dia passou até à noitinha, quando os visitantes entusiasmados
voltaram de Lindos, cuja Acrópole, construída sobre o Mar como um terraço, eu
perdi.
Mas
nem as menores ilhas no Dodecanese (Kos e Patmos), onde o barco ancorou no dia
seguinte – era Páscoa – conseguiu nos convencer de desembarcar. Embora Patmos
permanecesse presente para mim através do pensamento [Andenken] do Hino de Hölderlin. Agora aquele múltipla, estrofe
questionadora começou a falar, uma que começa:
Mas quando então morre
Aquele
a quem mais
Se
prendia a Beleza,...
A
estrofe que termina com (e então...):
O
Altíssimo volta,
Porque
em parte alguma
Coisa
mortal se descobre no Céu ou’
Sobre
a terra verde, o que é isto?
Enquanto
a noite caia rapidamente, lá estávamos nós de pé junto à grade, olhando para o
profundo azul e às vezes espumosa maré, enquanto a espera se tornou mais
intensificada e a apreensão maior acerca da possibilidade de encontrar o
caráter próprio do Dasein Grego e seu Mundo. Era, talvez, a água escura um
presságio da sempre oculto resposta que ainda estava por vir?
Na
manhã o barco deslizou vagarosamente nas águas calmas em direção à Delos, pelo
porto da vizinha Reneia e ancorou a uma pequena distancia de seu plano litoral.
Estávamos desembarcando quando encontramos algumas mulheres formando uma linha
ao longo de um caminho quase sem vê-lo. Elas espalharam texturas coloridas e
bordados para venda – um agradável espetáculo, testemunha de uma pobre mas
assídua vida. Não estava claro de onde estas mulheres vinham, pois a ilha era
pouco habitada e sua vegetação escassa. Por outro lado, a terra ligeiramente íngreme
é preenchida de ruinas de templos, edifícios, estatuas e outras estruturas
diversas. Comparando a tudo que vimos até agora em nossa jornada, a ilha
pareceu a primeira vista, desertada e abandonada, de tal modo que não poderia
ter sido o resultado de um mero declínio. De uma vez ela colocou um chamado
totalmente único que em lugar algum tínhamos sentido a esse ponto. Através de tudo um grande e velado princípio
[Anfangs] foi expresso que uma vez
ocorreu.
Délos
é o nome da ilha: o manifesto, o visível, o que reúne tudo no seu aberto, todas
as coisas para as quais ela oferece abrigo através do seu aparecimento ela
reúne em um presente.
Com
todos os passos que levaram-nos por sobre as antigas rochas e ruinas, com o
vendo que soprava cada vez mais forte, em direção ao pico de fenda do Monte
Kyntos que surge íngreme no meio da ilha, o significado do nome da ilha se
tornou assim mais exposto e fundado no seu Ser [seiender].
Delos,
o manifesto, aquele que revela e não esconde mais, ao mesmo tempo, aquele que
cerra e oculta: ele oculta o segredo do nascimento de Apolo e Artemis: Apolo,
com grande raio luminoso, o brilhante, aquele que comanda através de seu
esplendor. Artemis, a arqueira, aquele que encontra seu casa no seio da
vastidão – os dois são irmãos. O modo da sua presença é ambos a poderosa
proximidade e o repentino desaparecer no distanciamento.
Permanece
difícil de descrever, se isto não rejeitar qualquer descrição, a múltipla e
inter-relacionada essência do Deus e da Deusa.
O
lugar comum de nascimento para ambos, Delos, o manifesto, o acenante, mostra
que ela – o insignificante e humilde centro no circulo das ilhas – oculta o que
é sagrado e protege-o contra qualquer esmagamento profano. Mal se começou a
pensar o bastante sobre o que o nome da ilha significa, aquilo que chama a
totalidade do povo Grego à celebrar o festival e concede a eles a graça divina
e demanda dos morais reticência e temor.
Délos,
a ilha sagrada, o centro da terra Grega e suas costas e mares, revela na medida
em que oculta. O que é isto, que neste modo aparece em si mesmo? Para o que ela
acena? Aquilo que os poetas e pensadores Gregos, ao ver em antecipação de longe
o que foi para eles presente, experenciaram e nomearam: a interdependência
[Ineins] entre o desoculto (descerrado) e o oculto: alétheia. Todo dito e
através dele, todo trabalho, todo feito recebe da alétheia e retém nela a
determinação de seus tipos. Pois
alétheia é o lugar [Bereich]: o
aberto que toma lugar [sich darreichende]
e doa lugar [erreichende] à
tudo, que determina e libera, que
permite o que é presente e ausente vir afinal, ir e desviar.
Toda poesia e
pensamento pressupõe seu aspecto. Ela mesma é retida através do prospecto
mortal. Alétheia é vista mas não é
pensada em essência. Assim, alétheia permanece não pensada e não examinada no
que diz respeito a sua origem.
Alétheia
é
a palavra própria do Dasein Grego, hó
mythos, o dizer que para o pensamento Grego desdobra-se enquanto o logos no
légein e dialegestai, a saber, o que
vem à luz enquanto expressão e discurso. O que vem à presença é geralmente
preservado pela característica fundamental do aletheuein, do descerrar de sua presença no interior do horizonte
do ocultamento – esta característica não foi mais pensada.
Deveríamos perguntar, então, se consideramos
esta matéria, que presumivelmente uma tradição antiga no Fedro de Platão fala
do pedíon tós aletheias, do “campo do
descerramento”, onde tudo que verdadeiramente vem à luz é permitido ficar?
Se alétheia
é também chamada de éstía tou kósmon,
“o fogo do aparecer que penetra e ilumina Tudo, aquela que doa e retira
medida”, o lugar ardente do vir à
presença – então a tentativa de interpretação do dizer de Heráclito do Kósmos enquanto púr se torna significativa somente em nome de alétheia enquanto estía.
O lugar reúne e vigia o kósmos, porque oferece e retira sua guarda na chama
luminosa do aparecer. As meditações que por muito tempo me ocuparam por
respeito à alétheia, e a relação entre cerração e descerração, encontraram,
graças à viagem à Delos, a confirmação desejada. O que pareceu ser apenas um
imaginaria conceptualização foi cumprida, se tornou cheia de presença, a
presença daquele claro [gelichtet] que uma vez concedeu aos Gregos este vir à
presença.
Somente
através da experiência em Delos a jornada para a Grécia se tornou um jornada,
claramente demorando-se por aquilo que Aletheia é.
(a continuar...)