Hipérion!


“O primeiro filho da beleza humana, divina, é a Arte. Nela o homem divino rejuvenesce e repete-se a si próprio. Quer sentir-se a si próprio, por isso coloca diante de si a Beleza. Assim, o homem dotou-se dos seus Deuses. Pois que, no princípio, o homem e os seus Deuses foram Um, já que, desconhecida para si própria vigorava a Beleza eterna: eu falo de Mistérios, mas eles são.

O primeiro filho da Beleza divina é a Arte. Assim foi entre os atenienses.

O segundo filho da Beleza é a Religião. Religião é amor à Beleza. O sábio ama-a a ela mesma, a infinita, a universal. O povo ama os filhos dela, os Deuses que se lhe defrontam nas figuras mais variadas. Assim também foi com os atenienses. E sem um tal amor à Beleza, sem uma tal Religião, qualquer estado é um esqueleto ressequido, sem vida e sem espírito, e todo pensar e agir é uma árvore sem cume, uma estela da qual foi ceifado o capitel.

Muito bem! Interrompeu-me alguém, isso compreendo, mas como esse povo poético e religioso (os atenienses) pode ser também um povo de filósofos, não estou a ver.

Eles até sem a Poesia, disse eu, nunca se teriam tornado um povo filosófico!

O que tem a Filosofia, retorquiu, o que tem a fria altivez desta ciência, a ver com a Poesia?

A Poesia, disse eu certo do meu ponto de vista, é o princípio e o fim desta ciência. Como Minerva da cabeça de Júpiter, ela nasce da Poesia, de um ser infinito e divino. E assim, no fim, também acaba por convergir novamente nela o incontornável, a fonte misteriosa da Poesia.

Do mero intelecto não nasce qualquer Filosofia, porque a Filosofia é mais do que apenas a compreensão limitada do que é.
Da mera razão não nasce qualquer Filosofia, porque a Filosofia é mais do que a exigência cega de um progresso que nunca termina na unificação e distinção de uma possível questão.

Mas se o Divino luzir 'en diaferon heautó', o ideal da Beleza da razão perscrutadora então não exige cegamente, e sabe por que motivo exige e para quê.
Se, como o dia de Maio na oficina do artista, o Sol da Beleza iluminar a ocupação do intelecto, este não voa para longe deixando para trás seu trabalho provisório, mas pensa com agrado no dia de festa em que caminhará na rejuvenescente luz primaveril.”

- Hölderlin, trecho de "Hipérion ou o Eremita da Grécia".