Van Gogh (trechos de “Cartas a Theo”):



 “A partir do momento que nos esforcemos em viver sinceramente, tudo irá bem, mesmo que tenhamos inevitavelmente que passar por aflições sinceras e verdadeiras desilusões; cometeremos provavelmente também pesados erros e cumpriremos más ações, mas é verdade que é preferível ter o espirito ardente, por mais que tenhamos que cometer mais erros, do que ser mesquinho e demasiado prudente. É bom amar tanto quanto possamos, pois nisso consiste a verdadeira força, e aquele que ama muito realiza grandes coisas e é capaz, e o que se faz por amor está bem feito. Se só pudéssemos dizer umas poucas palavras, mas que tivessem um sentido, seria melhor que pronunciar muitas que não fossem mais que sons vazios, e que poderiam ser pronunciadas com tanto mais facilidade, quanto menos utilidade tivessem. Se continuarmos a amar sinceramente o que na verdade é digno de amor, e não desperdiçarmos nosso amor em coisas insignificantes, nulas e insipidas, obteremos pouco a pouco mais luz e nos tornaremos mais fortes.

Quanto antes  procurarmos nos qualificar num certo ramo de atividade e numa certa profissão, e adotarmos uma maneira de pensar e de agir relativamente independente, mais firme se tornará o caráter, sem que para isto tenhamos de nos tornar limitados. E é sensato fazer estas coisas, porque a vida é curta e o tempo passa depressa; se nos aperfeiçoarmos numa única coisa e a compreendermos bem, alcançamos além disso a compreensão e o conhecimento de muitas outras coisas. Às vezes é bom ir ao fundo e frequentar os homens, às vezes somos até obrigados e chamamos a isto, mas aquele que prefere permanecer só e tranquilo em sua obra, e não quer ter mais que uns poucos amigos, é quem circula com maior segurança entre os homens e no mundo. É preciso não se fiar jamais no fato de viver sem dificuldades ou sem preocupações ou obstáculos de qualquer natureza, mas não se deve procurar ter uma vida muito fácil.
Independente de qualquer revolução violenta, também haverá uma revolução íntima e secreta nas pessoas, da qual ressurgirá uma nova religião, ou melhor, algo totalmente novo, que não terá nome, mas que terá o mesmo efeito de consolar, de tornar a vida possível...

Não é a emoção, a sinceridade do sentimento da natureza, que nos impele? E se essas emoções são às vezes tão fortes que trabalhamos sem sentir que estamos trabalhando, quando às vezes o toque vem numa sequência e relacionados entre si como as palavras de um discurso ou de uma carta, é preciso lembrar-se então que nem sempre foi assim, e que no futuro haverá muitos dias pesados, sem inspiração.

O que sou eu nos olhos da maioria – uma nulidade ou um homem excêntrico ou desagradável – alguém que não tem uma situação na sociedade e que não terá; enfim, um pouco menos que nada. Bom suponha que seja exatamente assim, então eu gostaria de mostrar por minha obra o que existe no coração de tal ‘excêntrico’, de tal nulidade. Esta é a minha ambição. Ainda que frequentemente eu esteja na miséria há, contudo, em mim, uma harmonia e uma música calma e pura. Na mais pobre casinha, no mais sórdido cantinho, vejo quadros e desenhos. E meu espirito vai nesta direção por um impulso irresistível. Não é tanto a língua dos pintores, mas a língua da natureza que é preciso dar ouvidos. Sentir as coisas, a realidade, é mais importante que sentir os quadros. Porque tenho da arte e da própria vida, de quem a arte é essência, um sentimento tão vasto e tão amplo, que acho irritante e falso quando vejo pessoas posando de acadêmicos. Em todo caso, se as pessoas acham bom ou ruim o que faço e como faço, de minha parte eu não vejo outro partido a tomar além de lutar com a natureza por tanto tempo quanto necessário porquanto ela me confiar seus segredos.”

Hipérion

“Teremos nós nascido dos pântanos, como um fogo-fátuo ou seremos acaso descendentes dos vencedores de Salamina? Como é então? E como é que tu, livre natureza grega te vieste a tornar serva? E tu, estirpe dos meus pais, decaíste tanto, tu de quem outrora a imagem divina de Júpiter e de Apolo era apenas uma cópia? – Mas ouve-me, ó céu da Jônia! Ouve-me, ó terra da minha Pátria, que te cobres, semi
nua como uma pedinte, dos farrapos da tua antiga magnificência , não continuarei a suportá-lo!

Ó sol que nos educaste! Hás de olhar-nos, quando no meio do trabalho nos crescer o ânimo, quando no meio dos golpes do destino o nosso projeto se formar como ferro a golpes de martelo.
Oh! Exclamou Alabanda, por isso é que a luta é benefício. Como todo trabalho que conta com a ajuda da força e do espirito humanos e não com muletas e asas de cera. Despojemo-nos das vestes de escravo em que o destino imprimiu suas armas. Bárbaros, desde tempos remotos, que o trabalho e a ciência e inclusivamente a religião tornou mais bárbaros ainda, absolutamente incapazes de qualquer sentimento divino, corrompidos até a medula, para o bem das sagradas graças, ofensivos para com as almas bondosas..

Tudo que há na Terra é imperfeito, eis a velha lengalenga. Se ao menos alguém dissesse alguma vez a estes malditos que se tudo é tão imperfeito entre eles é porque eles, com suas mãos desajeitadas, não deixam imaculado tudo que é puro, tudo que é sagrado, intacto, que nada medra entre eles porque não têm consideração a divina Natureza, que entre eles a vida é assim tão insossa e carregada de preocupações e transbordante de frias e mudas discórdias, porque desdenham da força e da nobreza, da serenidade e do sofrimento. É por isso que tem tanto medo da morte e sofrem todas as ignomínias de suas vidas de ostras, por não conhecerem nada de mais elevado do que sua obra mal feita, que para si engendraram..

Mas onde quer que um povo ame a beleza, que honre o gênio nos seus artistas, aí sopra, como sopro vital o espírito comum e todos os corações são piedosos e grandes e o entusiasmo faz nascer heróis.

Mas as pessoas tornam-se cada vez mais depravadas e vazias, apesar de todas terem nascido belas; o sentido da servidão aumenta, e com ele, a grosseria, a embriaguez aumenta com os cuidados e, com a opulência, a fome e o temor pela subsistência; a benção de cada ano converte-se em maldição e todos os deuses fogem.

O que? O comerciante árabe semeou seu Corão, e cresceu-lhe um povo de discípulos como uma floresta interminável, e não deveria prosperar o campo a que regressa a antiga verdade como nova e viva juventude?

Esta terra coberta de luto, desnudada, que eu tanto queria vestir de bosques sagrados e adornar com todas as flores da vida grega!

Quem sofre até o extremo, convém-lhe o extremo.”


Friedrich Hölderlin